A Profecia (Remake)

Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (06.06.2006)

Crítica do Filme “A Profecia” (The Omen, John Moore, 110 min., EUA, 2006).

Lacunas Preenchidas e Relações Convincentes
Prestes a conhecer aquele que “colocará irmãos contra irmãos”, o mundo encontra-se em um caos desordenado à espera de seu mensageiro demoníaco. Eis que chega Damien (Seamus Davey-Fitzpatrick), nascido de um chacal e com a marca da trindade demoníaca, o 666 entalhado em seu couro cabeludo, e é entregue aos braços de um jovem casal bem sucedido que acabara de sofrer a perda do filho no parto. Robert Thorn (Liev Schreiber, A Soma de Todos os Medos – 2002 - Phil Alden Robinson), assistente do embaixador dos Estados Unidos da América, influenciado por um padre, resolve adotar uma criança sem família nascida no mesmo dia de sua perda. Katherine Thorn (Julia Stiles, A Identidade Bourne – 2002 – Doug Liman), sua esposa, faz o possível lhe dar atenção e auxiliar no que pode nas poucas horas que têm disponível a sós, conciliando com a dedicação materna sem saber que está criando seu próprio Brutus.

Produzido sob as rédeas de um prazo curtíssimo, a regravação, ou melhor, atualização do clássico de 1976, de Richard Donner (diretor da série Máquina Mortífera e do recente 16 Quadras), foi motivo de insatisfação para o diretor John Moore (O Vôo da Fênix – EUA - 2004) que desde o início do projeto não concordava com a data do lançamento, dia seis do mês seis do ano de dois mil e seis, responsável pela falta de tempo hábil para um melhor acabamento, citando a dificuldade de se compor uma trilha sonora compatível com a magnífica obra composta por Jerry Goldsmith para a fita original. Talvez por este motivo tenhamos muitas cenas sem acompanhamento sonoro, este se reservando apenas às cenas de suspense. A falta da utilização da trilha como no clássico, acompanhando quase todo o roteiro, é compensada nesta versão pela sonoplastia barulhenta e disposta a assustar (assustar, não causar medo) em tomadas de sonhos, acrescentadas por Moore à proposta de Richard Donner para poder criar momentos de terror sem alterar a linha criativa da década de setenta.

Comparações Relevantes
Nossa Profecia do século XXI passa longe da idéia de se tornar um clássico, porém preenche algumas lacunas importantes deixadas para trás na trama dirigida por Donner. Este remake nos dá a nítida impressão de ter sido dirigido sob ótica de um cinéfilo tentando costurar o clássico com uma agulha de plasticidade e uma linha de coerência, completando alguns espaços que para a época poderiam passar despercebidos, mas que para os dias atuais deixam a desejar. As relações pessoais se tornaram mais convincentes, como quando a babá (Mia Farrow, O Bebê de Rosemary – 1968 – Roman Polansky) chega ao lar do casal de uma forma mais aceitável do que simplesmente brotar da terra querendo tomar conta de tudo. Agora a babá é mais humilde, sabe o seu lugar na casa e se envolve com Damien aos poucos. O fotógrafo deixa de ser um jovem aspirante e passa a ser um homem profissional, que lida com fotografia convencional e digital. A artificialidade dos relacionamentos da primeira versão é sutilmente corrigida, tendo como exemplo a tomada em que o jovem fotógrafo chama a atenção do padre para captar a imagem em uma atitude espontânea e debochada, e que agora obtém sua imagem mais reservadamente. Os diálogos entre o casal também passam a ser mais reais e dinâmicos.

Outra comparação relevante é sobre o nascimento de Damien e a morte do real filho do casal. Na versão original nada é esclarecido na maternidade. Questões sobre a impossibilidade de Katherine engravidar novamente e a dúvida de Robert quanto ao destino do corpo de seu filho (o que justifica a procura mais tarde). O padre que persegue Robert mencionar o fato de Damien ter sido concebido por um chacal ao invés de uma mãe convencional também explica o esqueleto animal encontrado no túmulo da mãe do menino mau, situação até então inexplicável para um leigo em estudos do Demo.

Nosso embaixador americano é mais sociável e diplomata como deve ser, diferente do velho Robert mal humorado. O Padre é mais paranóico. Katherine não tem tantas mudanças bruscas de humor, tendo seu receio e dúvida se manifestando conforme os acontecimentos. Sua morte é menos escandalosa e mais convincente quando, ao invés de ser lançada da janela do hospital, tem o abastecimento de seu sangue prejudicado por uma injeção de ar por parte da Babá, já possuída e convicta.

Século XXI
A modernidade, mais que justa, inserida no roteiro de forma inteligente e natural, começa quando Katherine passeia com Damien no parque, sem a companhia de Robert (como embaixador, não pode se dar ao luxo de passear despreocupadamente em um parque público com sua família em uma tarde tranqüila). O que lhe chama a atenção e faz com que se descuide do filho é o telefone celular, não as juras de amor do marido apaixonado.

A notícia da morte do padre que, na versão original chegava até Robert com uma agilidade inexplicável do periódico sobre sua mesa de jantar, hoje chega por e-mail. Solução bem mais plausível.

Destaque para justificativas da data e de catástrofes ocorridas nos últimos anos (Tsunami, 11/09, últimas guerras) como sinais da aproximação do fim dos dias em reunião da cúpula eclesiástica no Vaticano, com a presença de, ninguém mais ninguém menos que o Papa, muito semelhante ao antecessor de Bento XVI. A preocupação da igreja logo no início do filme dá um tom de maior seriedade e maturidade ao filme.

Esta regravação, atualização ou adaptação de um clássico para os dias atuais, consegue de forma despretensiosa ser fiel e manter a linha de suspense do clássico, acrescentando algumas alegorias sonoras e visuais exigidas pelo novo tipo de público a ser atingido. O único pecado (com o perdão do trocadilho) foi a escolha de Liev Schreiber para o papel do embaixador. Sua inexpressividade diante de fatos extremamente tensos irrita. Dá a impressão de que a qualquer momento lágrimas jorrarão por todos os seus orifícios, menos pelos olhos, de tanto engolir o choro ao longo do filme. Que atire a primeira pedra quem nunca pecou...
Mário Pertile
Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under , | 0 Comments »

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