Vôo United 93

Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (29.08.2006)

Crítica do filme “Vôo United 93” (Paul Greengrass).

Pano pra Manga
Cinco anos após os atentados de onze de setembro e a história continua dando pano para manga. E bons panos por sinal.
Vôo 93, filme que tenta ilustrar o que (supostamente) aconteceu no quarto vôo da United Airlines seqüestrado pelos terroristas da Alqaeda, dia onze de setembro de 2001, baseado em ligações dos passageiros a seus familiares durante o acontecimento, pode ser dividido em duas partes:
A primeira metade é praticamente um documentário em tempo real sobre a prepotência e desorganização norte-americana frente a uma problemática resolvida há vinte anos. Pegos de surpresa, chefes de torres de comando e militares não se entendem, cada unidade querendo demonstrar sua superioridade, semelhante ao que acontece em qualquer parte do mundo quando duas ou mais entidades devem tomar decisões importantes em conjunto, tornando a situação estagnada e marasmática, apenas assistindo. Esta introdução serve para situar o espectador em uma atmosfera conhecida apenas para quem trabalha com algo ligado à aeronáutica. As transações burocráticas acima de qualquer custo, inclusive de vidas, são uma lei, pelo menos neste dia fatídico, tirando a autoridade de qualquer profissional que deseja tomar alguma atitude séria. Quando procuram o presidente George W. Bush e não encontram, logo nos vem à cabeça a cena de Fahrenheit 911 (documentário de Michael Moore que expõe as falcatruas do governo norte americano e o lado negro do presidente, comprovando várias teorias de conspiração para os atentados ao World Trade Center – inclusive negociações com a família Bin Laden) em que Bush está sentando em frente às crianças, em uma escola, lendo historinhas infantis com um livro de cabeça para baixo, quando um de seus seguranças vem informá-lo ao pé do ouvido que as torres foram atingidas e, sem saber o que fazer, o homem mais poderoso do mundo passa minutos olhando para o horizonte, sem ação, sem expressão, sem absolutamente nada. Esta cena parece ser parte de Vôo 93, um anexo do documento de Michael Moore ao atual documento de Paul Greengrass. Ou melhor, Paul Greengrass parece ter completado o que faltava em Fahrenheit 911.
A segunda parte da saga de Greengrass nas entranhas do vôo United 93 serve para demonstrar como um grupo de 40 passageiros consegue ser mais eficaz, sob a maior pressão de suas vidas, do que toda força de segurança nacional norte americana. Calmos, apesar dos esfaqueamentos e pressões psicológicas sofridas, alguns passageiros conseguem até acalmar as aeromoças. Quatro terroristas inseguros e sem saber exatamente o que fazer, conseguem tomar a cabine de comando do avião apenas com canivetes e com uma bomba falsa, logo descoberta pelos passageiros, que ligam para casa umas dando um último adeus e outras passando e obtendo informações sobre o atentado. Um grupo de homens mais fortes e preparados (incluindo um lutador e um piloto) combinam em minutos um contra ataque, ao se darem conta que não têm mais nada a perder. Infelizmente, todos sabem o final desta história de incompetência e negligência para com os passageiros que sustentam as companhias aéreas, onde o interesse pessoal fala mais alto. Literalmente não sobrou ninguém para contar a história. Apenas gravações e parentes que receberam as ligações. Os passageiros que estavam neste vôo foram os primeiros a testemunhar as mudanças para uma nova era e os primeiros que tentaram fazer alguma coisa para mudar. É mais uma prova de que depender das autoridades (i)responsáveis deve ser realmente a última hipótese a ser cogitada.

O interessante da produção é que ela é quase toda em tempo real, apenas cortando entre cabines de comando e o interior do avião. Nada de heroísmo, trilhas sonoras emocionantes e salva de palmas com chapéus para o alto a cada conquista. É a verdade nua e crua. Sem tirar nem pôr. É a lacuna que faltava na história onde conhecíamos apenas o início e o fim.

Tensão
A tensão é mais psicológica do que real. Fica por conta dos suspiros dos terroristas antes de abordar o avião e da agonia dos profissionais nas torres de comando que tentam fazer algo, mas estão de mãos atadas. A câmera na mão, sempre tremendo dá um tom de noticiário e realidade sendo como um cúmplice competente para a ação em tempo real. O filme não mostra nada que não sabemos. Mostra o que sabemos, só que da parte interna para a periferia do sistema, nos levando a uma jornada pelo perímetro prepotente norte-americano.
Mário Pertile
Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under , | 0 Comments »

0 tijolaços: