O Sol - Caminhando Contra o Vento

Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (21.07.2006)

Crítica do filme “O SOL – Caminhando Contra o Vento” (Tetê Moraes).

Geração 68 em Forma
O SOL – Caminhando Contra o Vento é um documentário sincero que consegue mesclar diversão e informação para contar a história de toda uma geração, registrada pelo diário independente O SOL. Música, política, ideologias, farras, vontade de mudar o mundo. Está tudo documentado com o auxílio da montagem de Henrique Tartarotti, que faz com que o longa tome um rumo muito agradável e de fácil acompanhamento. O que torna O SOL – Caminhando Contra o Vento um registro ímpar da geração que resistiu e fez sua parte pela liberdade de expressão e comportamento é o clima de confraternização entre todos os participantes da época. Diferente do que costumamos assistir em documentários sobre o regime militar e, geralmente bastante didáticos ou reformulando a história em tom de pesar e lamentação, esta obra de Tetê Moraes literalmente organiza a história de forma descontraída e emocionante através de depoimentos espontâneos (e cheios de lágrimas nos olhos) da turma ativista brasileira das décadas de sessenta e setenta.

A fórmula do sucesso é simples:
Uma "Festa Filmagem" reunindo todos os ícones da geração. Visita pessoal da diretora na casa ou trabalho de quem não compareceu à festa. Reunião de arquivos históricos em que constam muitas fotografias e vídeos marcantes (como os festivais da Record e o velório do estudante Édson Luís de Lima Souto, morto pela repressão do então ditador Costa e Silva, onde aproximadamente 50 mil manifestantes fizeram desse episodio um protesto contra o regime vigente). Trilha sonora subversiva tendo como música tema "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso e outras maravilhas da emepebê como "Para não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré, "A Banda" de Chico Buarque, interpretada por Nara Leão, entre outros. Surge o questionamento sobre se música "Alegria, Alegria" foi composta por Caetano com o intuito de homenagear o periódico por conter em uma de suas estrofes a frase "O SOL nas bancas de revista". Caetano conclui que realmente não lembra, "mas que se não foi, agora fica sendo". E para completar o revival, contamos com curiosidades dos bastidores da revolução político-cultural-comportamental brasileira explanadas sem pudor ou receio por figuras que viveram as angústias, aspirações e sonhos desta época produtiva, tanto no que diz respeito à cultura nacional quanto à formação de ideologias.

Reencontro de Ex-Colegas
O SOL - Caminhando Contra o Vento tem um clima de reencontro de ex-colegas de colégio. Pessoas maduras e experientes, com cérebros jovens e ainda com todo o gás, relembrando os bons e velhos tempos enquanto confraternizam na festa ou em um coffee break em sua própria casa. O espectador se sente parte da festa, parte da família, parte do grupo de amigos e da história como um todo. Um clima sem compromisso, no melhor sentido da expressão. Esta sensação de reunião de ex-colegas se dá, talvez, pelo fato de O SOL ter sido além de um jornal, uma escola, um meio de os estudantes de jornalismo (e de outras áreas) poder praticar de verdade o jornalismo real, diferente do que ocorria nas universidades onde era criado um veículo de fachada, apenas por criar.

Tetê Moraes consegue de forma única reunir um precioso material histórico, importante tanto para quem viveu esta época, para poder relembrar com gosto os difíceis, porém produtivos anos rebeldes, quanto para os jovens de hoje que conhecem ou não este relevante passado tão presente em nossa cultura. O SOL - Caminhando Contra o Vento é mais que um filme. É uma oportunidade. É nostalgia, informação e entretenimento.

SITE OFICIAL:
www.osolfilme.com
Estréia Nacional: 11 de agosto de 2006

Mário Pertile
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CD TRILHA SONORA DE “O SOL – CAMINHANDO CONTRA O VENTO” (UNIVERSAL MUSIC BRASIL)

1-Alegria Alegria
Caetano Veloso
Intérprete: Caetano Veloso

2-Domingo no Parque
Gilberto Gil
Intérprete: Gilberto Gil

3-Roda Viva
Chico Buarque
Intérprete: MPB-4

4-Carcará
José Cândido e João do Valle
Intérprete: Maria Bethânia

5-Soy Loco por Ti América
Gilberto Gil e Capinam
Intérprete: Caetano Veloso

6-Pra não Dizer que Não Falei das Flores
Geraldo Vandré
Intérprete: Geraldo Vandré

7-A Banda
Chico Buarque
Intérprete: Nara Leão

8-Tropicália
Caetano Veloso
Intérprete: Caetano Veloso

9-Sabiá
Antonio Carlos Jobim e
Chico Buarque
Intérprete: Quarteto em Cy

10- Juca
Chico Buarque
Intérprete: Chico Buarque

11-É um Tempo de Guerra
Edú Lobo, Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal
Intérprete: Edú Lobo

12-Panis Et Circenses
Gilberto Gil e Caetano Veloso
Intérprete: Boca Livre

13-Enquanto Seu Lobo Não Vem
Caetano Veloso
Intérprete: Caetano Veloso

14-Com Mais de 30
Marcos Valle e
Paulo Sérgio Valle
Intérprete: Marcos Valle
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ENTREVISTA COM TETÊ MORAIS CONCEDIDA DIA 21 DE JULHO DE 2006 na SEDE DO SANTANDER CULTURAL PARA O SITE CENA DE CINEMA:

Legenda:
MP – Mário Pertile
TT – Tetê Moraes

MP - Qual foi a sensação de ver toda uma geração, ou boa parte dela, reunida depois de quase quatro décadas?

TT – Foi super simpático. Algumas pessoas a gente tinha um contato normal, mais cotidiano, ou mesmo eventual, como por exemplo, Reynaldo Jardim, a Ana Arruda Calado, pessoas que a gente já convivia mais, como o Ziraldo. Outras pessoas a gente não tinha visto há muito tempo. Então era muita gente no O SOL e foi muito simpático encontrar todo mundo. A receptividade, o grau de adesão das pessoas a participarem do filme, a se encontrar, foi muito legal e isso foi muito bom. Parecia que estava todo mundo há quarenta anos esperando aquele momento, foi muito legal.

MP – Como foi a “logística” para conseguir reunir todos, visto que cada um seguiu seu rumo, executando atividades variadas?

TT – Houve uma produção, uma pesquisa para descobrir onde as pessoas estavam. Tem uma jornalista que foi do O SOL, a Vera Sastre, que fez essa pesquisa pra nós, quer dizer, foi toda uma equipe de trabalho procurando localizar por e-mail, telefone, caderninhos, endereços, um ajuda a localizar o outro e tal e aí passamos o serviço. Foi algum tempo antes, então fomos passando esta idéia de que nós íamos fazer um filme sobre o sol, etc. e tal, perguntávamos se as pessoas topavam participar e fazer uma reunião para todo mundo se juntar e as pessoas iam dizendo que sim.
Algumas que moravam fora do rio a gente fornecia as condições de ir, alimentação, passagem, hospedagem, enfim, quem podia ir por conta própria foi, quem não podia a gente trouxe. E então foi assim, todo mundo achou bom ir. Tinham uns que estavam muito ocupados e a gente marcou num sábado no lugar sempre mais fácil. Sábado o encontro foi à uma hora da tarde. Foi um almoço que se estendeu assim até as dez horas da noite. Então as pessoas chegaram sábado de manhã e quem tava fora do Rio a gente trazia. Tinha gente em Florianópolis, gente em São Paulo, basicamente isso. As pessoas se encontraram com a gente no Rio.

MP – Como surgiu a idéia de reunir o material histórico, a equipe do jornal O SOL e os ícones culturais da época para registrar em um longa metragem?

TT – Desde o princípio eu pensei em fazer um filme que seria sobre o período, sobre a geração. Eu não queria fazer um filme só sobre o jornal, que seria muito legal, mas também seria mais limitado, porque eu queria colocar aquela história no contexto de como ela tinha acontecido e também criando relacionamentos com o hoje, porque são pessoas que a maior parte delas está na ativa. Ninguém está muito aposentado, quase todo mundo está fazendo alguma coisa, criando projetos, todo mundo trabalha. Então a idéia era realmente de trazer uma reflexão a partir daquela época, que foi uma época muito vibrante, muito importante, difícil, uma época já de repressão, ditadura, pós-golpe de 64, que foi como uma cacetada na nossa juventude, na nossa geração. Então o filme serve para mostrar como reagimos àquilo e o que nos tornamos depois.

MP – O que dá um toque especial no filme e também demonstra claramente o espírito de amizade, espontaneidade e descontração que existia na redação do jornal, mesmo com a censura e os atos repressivos em geral, é a “Festa-Filmagem”, que de certa forma define a personalidade do longa.

TT – A gente queria fazer uma coisa leve, não nostálgica, saudosista, pesada, e também não algo assim de cunho histórico, narrativo. Queríamos fazer uma coisa que tivesse um pouco do espírito do jornal O SOL, que era um veículo onde a gente fazia coisas seríssimas. O SOL era um jornal que tratava de política, comportamento, cultura, economia, mas era feito de uma maneira leve. Por isso tinha um público muito interessado e fez um enorme sucesso. Ele começou sendo encartado em um jornal de esportes e depois passou a ser uma edição independente. Só que não durou muito porque as pressões eram muito grandes e a questão econômica é claro, porque não era um jornal que estava atraindo anunciantes e por outro lado a ditadura estabelecendo aquela trajetória que foi sendo mais poderosa de fechamento político que culminou com o AI-5 em dezembro de 68 né. O SOL acabou em janeiro, mas se ele tivesse continuado, como diz o Cony (Carlos Heitor Cony) no filme, ele não teria conseguido sobreviver ao AI-5 de maneira nenhuma. Na verdade ele morreu antes do AI-5, mas depois do O SOL nós ainda continuamos, o mesmo grupo. Fizemos o semanário PODER JOVEM, totalmente produção independente. Nós mesmos vendíamos o jornal diretamente em bancas de revistas, espaços culturais, fizemos o lançamento dele vendendo na beira da praia de Ipanema, sábado e domingo, com as camisetas e tal, foi bem simpático. Ele também durou pouco. O mesmo grupo foi fazer dois programas de televisão na TV Continental na época, que também duraram um tempo e depois acabaram.

As pessoas pouco a pouco, já depois do O SOL, se tornaram toda uma geração que gerou um grupo que estava “bombando” digamos assim, na imprensa. Então fomos sendo absorvidos por outros veículos da mídia. Um pouco depois disso começou a revista VEJA, muitos foram para a VEJA, outros foram para a Manchete, outros foram pro Cruzeiro, eu fui para a revista Visão, uns foram para o Jornal do Brasil, etc.

MP – Então O SOL, de certa forma, deu um pontapé inicial na carreira de todos.

TT – Sem dúvida, por isso consideramos O SOL como um jornal-escola.

MP – E a festa em si, foi uma idéia que já estava prevista em roteiro ou fez-se a festa como uma comemoração e depois se resolveu aproveitar as filmagens?

TT – Já estava prevista. Claro, você sabe como é roteiro de documentário, é uma estrutura, uma proposta, um argumento, várias idéias, tudo muito maleável, mas desde o princípio eu pensei que ia ser a festa-filmagem. Este encontro ia ser um embrião, como se fosse uma seqüência matter, que você poderia trabalhar ao longo da estrutura do filme, tendo então, depois, os desdobramentos disso, as várias histórias. Haveria sempre uma pesquisa, uma mistura com material de arquivo da época, com músicas, e também sempre pensando em trazer as pessoas pro cotidiano delas e procurar mostrar o que estão fazendo hoje.

MP - De quem partiu a idéia de fazer o filme sobre o jornal?

TT – Partiu de mim. Eu fui então procurar a Martha Alencar que é minha parceira, minha Co-autora do filme e propus a ela essa idéia. Ela achou ótimo e imediatamente começou a se envolver. Tem, evidentemente, um papel fundamental em todo o processo. Foi realmente um trabalho conjunto.

MP – De acordo com a sua experiência, gostaria que você deixasse um recado para os jovens de hoje que tem vontade de fazer a diferença e deixar sua marca na história, como fez tão bem a sua geração:

TT – Eu acho que é o seguinte: descubram, criem, experimentem, tentem o máximo que for possível no tempo de hoje.

Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under , | 0 Comments »

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