O Libertino
Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (29.06.2006)
Crítica do Filme “O Libertinho” (Laurence Dunmore, 114 min., Inglaterra, 2004).
Sinceridade acima de tudo
Considerado vulgar, arrogante, cínico e rebelde pelos conservadores, venerado pelos boêmios fanfarrões e idolatrado pelas mulheres nos prostíbulos e bordéis, o Conde de Rochester (Jhonny Deep, Edward Mãos de Tesoura - Tim Burton – 1990) apresentado por Laurence Dunmore, aclamado diretor de videoclipes e comerciais que arrisca a carreira cinematográfica neste primeiro longa, tem em mente apenas uma idéia: ser ele mesmo, não importando onde, como e diante de quem. Neste espírito despreocupado e sem dar valor ao que acham ou deixam de achar de sua personalidade, o Conde volta a Londres a pedido do Rei Charles II (Jonh Malkovich, Quero ser John Malkovich - Spike Jonze – 1999) - que o havia banido da corte há três meses atrás - para ajudá-lo escrevendo a melhor peça de sua vida com o intuito de apresentar na visita do embaixador da França a Londres, amenizando assim os conflitos e interesses e facilitando as transações financeiras de apoio por parte da França à monarquia britânica. Em Londres o Conde se apaixona por Elizabeth Barry, (Samantha Morton, Minority Report – Steven Spielberg - 2002) deixando de lado sua esposa e se entregando aos encantos da desajeitada e, aparentemente sem talento, prostituta aspirante a atriz, doutrinando-a para a arte do teatro.
Ao final de sua vida de extremismos tanto físicos quanto psicológicos, o Conde de Rochester passou praticamente cinco anos de sua vida embriagado, iniciando uma grande decadência após pôr fora a oportunidade de reconquistar a confiança do rei, criando no que era para ser a melhor peça de sua vida, uma paródia sexista e explícita do atual reinado de Charles II. Rejeitado pela sociedade, por Elizabeth Barry e caçado pelo Rei, o Conde passa por um período de exclusão, se refugiando na companhia de seu criado Alcock (Richard Coyle), uma demi-mondaine confidente e o terrível e avassalador efeito da sífilis que o atacara por conseqüência de sua vida libertina, deteriorando seu corpo.
Antes de falecer, o Conde de Rochester consegue de uma forma incompreensível reunir todos os vestígios de força que ainda poderiam existir em seu corpo e alma, erguendo seu arcabouço moribundo para quitar suas dividas com o rei conseguindo a aprovação da lei proposta pelo monarca na câmara em um discurso sério em que questiona até sua própria postura em relação à sociedade.
Dobradinha de Ouro
As técnicas utilizadas para ilustrar a século XVII britânico lembram muito o estilo obscuro de Tim Burton, complementado pela excelente, ácida e igualmente obscura atuação de um pálido e maltratado pelo alcoolismo Jhonny Deep. A primeira tomada já prepara o espectador para o que será o personagem do Conde de Rochester. Com um fundo chapado, uma contra luz em que se enxerga pouco o semblante do Conde, a primeira frase ecoa na escuridão da tela envelhecida e cheia de ruídos: “Você não vai gostar de mim”. Em meio a poesias libidinosas e confissões desgarradas de qualquer pudor, o Conde de Rochester executa seu prólogo. A partir daí, preparado para odiar o anti-herói bretão, o espectador se apega cada vez mais àquela figura bizarra e sem escrúpulos. A libertinagem é exposta de forma elegante e nem um pouco vulgar, mas não é por isso que deixam de excitar e exaltar as belezas do corpo. Nota-se um grande destaque aos seios, sempre fartos, podendo ser feita uma livre relação com a intenção de ilustrar algum tipo de distúrbio psicológico da parte do Conde em relação à figura materna, a quem metralha de provações, inclusive incestuosas, ao longo do filme.
As cenas de nudez são muito bem cuidadas, como na orgia ao céu aberto em que a cerração encobre as partes mais explícitas de forma natural, fazendo com que o espectador tenha que forçar a vista para tentar enxergar alguma coisa a mais. Parecendo mais uma obra de arte renascentista em movimento, a orgia nos proporciona, ao contrario do que se possa imaginar, uma bela imagem de relação entre corpos onde não importa o sexo, a idade ou a cor, e sim a pura e simples verdade do prazer.
Merecem destaque especial três magníficas tomadas. Dois planos seqüência, um no início e outro no final da trama, onde a câmera viaja literalmente em círculos em volta do teatro lotado. A sincronia e a beleza da direção de arte concluem uma combinação ímpar de som e imagem, onde o que realmente está acontecendo não aparece em imagem, e sim em som, nos obrigando a imaginar a cena que está acontecendo atrás da câmera. Outra cena é o diálogo que resulta na crise conjugal entre o Conde e sua esposa em que o diretor optou por, ao invés de fazer cortes, enquadrar os dois personagens e jogar com o foco, alternando entre focar o que está falando e o que está ouvindo. Funcionou perfeitamente dando uma dinâmica e uma dramaticidade muito maior a cena.
A produção de John Malkovich merece seus méritos nos figurinos e nos cenários, sempre bem decorados e caracterizados com objetos do século XVII. A caracterização dos personagens remete fielmente a suas personalidades. No que diz respeito à atuação, Malkovich também não deixa a desejar. Seu olhar gelado e de reprovação, característicos de seus personagens, não poderia ficar de fora desta película.
Johnny Deep se supera ao representar o cada vez mais putrefato e agonizante Conde de Rochester, na medida em que sua vida vai se deteriorando, tornando-o irreconhecível ao final do filme.
O Libertino, além de entreter e imprimir com maestria o retrato de uma Inglaterra de forte bipolaridade social, tendo de um lado a decadência e degradação humana e de outro a luxúria monárquica, nos proporciona grandes atuações e ótimas tomadas, concretizando o início de uma provável carreira de sucesso de Laurence Dunmore.
Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under
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O Libertino
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Crítica do Filme “O Libertinho” (Laurence Dunmore, 114 min., Inglaterra, 2004).
Sinceridade acima de tudo
Considerado vulgar, arrogante, cínico e rebelde pelos conservadores, venerado pelos boêmios fanfarrões e idolatrado pelas mulheres nos prostíbulos e bordéis, o Conde de Rochester (Jhonny Deep, Edward Mãos de Tesoura - Tim Burton – 1990) apresentado por Laurence Dunmore, aclamado diretor de videoclipes e comerciais que arrisca a carreira cinematográfica neste primeiro longa, tem em mente apenas uma idéia: ser ele mesmo, não importando onde, como e diante de quem. Neste espírito despreocupado e sem dar valor ao que acham ou deixam de achar de sua personalidade, o Conde volta a Londres a pedido do Rei Charles II (Jonh Malkovich, Quero ser John Malkovich - Spike Jonze – 1999) - que o havia banido da corte há três meses atrás - para ajudá-lo escrevendo a melhor peça de sua vida com o intuito de apresentar na visita do embaixador da França a Londres, amenizando assim os conflitos e interesses e facilitando as transações financeiras de apoio por parte da França à monarquia britânica. Em Londres o Conde se apaixona por Elizabeth Barry, (Samantha Morton, Minority Report – Steven Spielberg - 2002) deixando de lado sua esposa e se entregando aos encantos da desajeitada e, aparentemente sem talento, prostituta aspirante a atriz, doutrinando-a para a arte do teatro.
Ao final de sua vida de extremismos tanto físicos quanto psicológicos, o Conde de Rochester passou praticamente cinco anos de sua vida embriagado, iniciando uma grande decadência após pôr fora a oportunidade de reconquistar a confiança do rei, criando no que era para ser a melhor peça de sua vida, uma paródia sexista e explícita do atual reinado de Charles II. Rejeitado pela sociedade, por Elizabeth Barry e caçado pelo Rei, o Conde passa por um período de exclusão, se refugiando na companhia de seu criado Alcock (Richard Coyle), uma demi-mondaine confidente e o terrível e avassalador efeito da sífilis que o atacara por conseqüência de sua vida libertina, deteriorando seu corpo.
Antes de falecer, o Conde de Rochester consegue de uma forma incompreensível reunir todos os vestígios de força que ainda poderiam existir em seu corpo e alma, erguendo seu arcabouço moribundo para quitar suas dividas com o rei conseguindo a aprovação da lei proposta pelo monarca na câmara em um discurso sério em que questiona até sua própria postura em relação à sociedade.
Dobradinha de Ouro
As técnicas utilizadas para ilustrar a século XVII britânico lembram muito o estilo obscuro de Tim Burton, complementado pela excelente, ácida e igualmente obscura atuação de um pálido e maltratado pelo alcoolismo Jhonny Deep. A primeira tomada já prepara o espectador para o que será o personagem do Conde de Rochester. Com um fundo chapado, uma contra luz em que se enxerga pouco o semblante do Conde, a primeira frase ecoa na escuridão da tela envelhecida e cheia de ruídos: “Você não vai gostar de mim”. Em meio a poesias libidinosas e confissões desgarradas de qualquer pudor, o Conde de Rochester executa seu prólogo. A partir daí, preparado para odiar o anti-herói bretão, o espectador se apega cada vez mais àquela figura bizarra e sem escrúpulos. A libertinagem é exposta de forma elegante e nem um pouco vulgar, mas não é por isso que deixam de excitar e exaltar as belezas do corpo. Nota-se um grande destaque aos seios, sempre fartos, podendo ser feita uma livre relação com a intenção de ilustrar algum tipo de distúrbio psicológico da parte do Conde em relação à figura materna, a quem metralha de provações, inclusive incestuosas, ao longo do filme.
As cenas de nudez são muito bem cuidadas, como na orgia ao céu aberto em que a cerração encobre as partes mais explícitas de forma natural, fazendo com que o espectador tenha que forçar a vista para tentar enxergar alguma coisa a mais. Parecendo mais uma obra de arte renascentista em movimento, a orgia nos proporciona, ao contrario do que se possa imaginar, uma bela imagem de relação entre corpos onde não importa o sexo, a idade ou a cor, e sim a pura e simples verdade do prazer.
Merecem destaque especial três magníficas tomadas. Dois planos seqüência, um no início e outro no final da trama, onde a câmera viaja literalmente em círculos em volta do teatro lotado. A sincronia e a beleza da direção de arte concluem uma combinação ímpar de som e imagem, onde o que realmente está acontecendo não aparece em imagem, e sim em som, nos obrigando a imaginar a cena que está acontecendo atrás da câmera. Outra cena é o diálogo que resulta na crise conjugal entre o Conde e sua esposa em que o diretor optou por, ao invés de fazer cortes, enquadrar os dois personagens e jogar com o foco, alternando entre focar o que está falando e o que está ouvindo. Funcionou perfeitamente dando uma dinâmica e uma dramaticidade muito maior a cena.
A produção de John Malkovich merece seus méritos nos figurinos e nos cenários, sempre bem decorados e caracterizados com objetos do século XVII. A caracterização dos personagens remete fielmente a suas personalidades. No que diz respeito à atuação, Malkovich também não deixa a desejar. Seu olhar gelado e de reprovação, característicos de seus personagens, não poderia ficar de fora desta película.
Johnny Deep se supera ao representar o cada vez mais putrefato e agonizante Conde de Rochester, na medida em que sua vida vai se deteriorando, tornando-o irreconhecível ao final do filme.
O Libertino, além de entreter e imprimir com maestria o retrato de uma Inglaterra de forte bipolaridade social, tendo de um lado a decadência e degradação humana e de outro a luxúria monárquica, nos proporciona grandes atuações e ótimas tomadas, concretizando o início de uma provável carreira de sucesso de Laurence Dunmore.
Mário Pertile
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