Espíritos
Crítica do filme “Espíritos” (Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, 97 min., Tailandia, 2004).
Breve Análise
O longa de estréia dos diretores Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, que não fez muito estardalhaço no cinema e chega da mesma forma em DVD, bebe de uma fonte já conhecida pelos cinéfilos fãs do cinema-fantástico oriental, amplamente trabalhada pelos irmãos Pang na trilogia The Eye (incompreensivelmente lançada no Brasil como The Eye, Visões e Visões 2, sendo que a cronologia correta é The Eye, The Eye 2 e The Eye Infinity).
Captado com filme ASA 400, película que, diferente da convencional, proporciona uma imagem mais real e menos “tratada” por ser mais sensível à luz, reduzindo os contrastes e aumentando os ruídos e granulados, Espíritos trata de um assunto muito conhecido entre pesquisadores de fantasmas, médiuns, e curiosos: aparição de vultos e entes já falecidos em fotografias.
O cinema oriental nos brinda sempre com grandes thrillers de suspense envolvendo a tentativa de contato por parte das almas, na maioria das vezes sem luz, por intermédio de meios de comunicação e tecnologia como televisão (série Ringu, de Hideo Nakata, que serviu de matriz para a versão americana O Chamado, de Gore Verbinski, em que Sadako sai da televisão para atormentar e assassinar pessoas que assistiram a uma fita de vídeo-cassete amaldiçoada), celular (Chakushin Ari de Takashi Miike – sendo refilmado na versão americana sob o título de One Missed Call – com um argumento bastante original em que a protagonista recebe um recado na secretaria eletrônica do celular, do seu próprio número e, quando ouve, é sua própria voz gritando alguns segundos antes de morrer, com a data de alguns dias no futuro), fotografia (Ab-normal Beauty, trabalho solo de Oxide Pang Chun, um dos diretores da trilogia The Eye – uma fotógrafa adolescente que despreza os homens e tem um caso não explícito com sua colega, também fotógrafa. Cansada de tirar fotos artísticas, cria repentinamente uma obsessão por fotografar a morte ao mesmo tempo em que é perseguida por um serial killer produtor de snuff movies), para resolver algum problema do passado interrompido pela desencarnação. Espíritos não é diferente. Trata da tentativa dos mortos de estabelecer comunicação com o mundo dos vivos aparecendo como vultos ou defeitos dos negativos em fotografias.
O Filme
Tun, fotógrafo profissional, e Jane, estudante de fotografia, voltam da festa de casamento de um dos amigos da turma de Tun por uma estrada escura e deserta em algum ponto de Bancoc. Acidentalmente atropelam uma menina e na tentativa de desvio sem sucesso, esbarram de frente com o carro em um Outdoor. Com medo e sem saber o que fazer, o casal segue viagem sem checar como estava a menina e tentam seguir suas vidas como se nada tivesse acontecido. Alguns dias depois do incidente, Tun vai até o laboratório fotográfico de costume para buscar as fotografias tiradas em uma festa de formatura e se depara com um reflexo, existente em quase todas as fotos. Ao questionar com o atendente, velho conhecido, sobre o defeito na revelação, o mesmo checa os negativos em que também constam os reflexos. Começa então uma jornada contra o tempo para descobrir o que está acontecendo com as fotos tiradas por Tun, ainda mais quando ele descobre que seus amigos de infância, que estavam presentes no casamento, se suicidaram. Um fato obscuro ligado ao passado de Tun então é revelado e é o que pode estar desencadeando toda esta série de mortes inexplicáveis e espectros bizarros no segundo plano das fotografias.
Elementos Familiares
Como não poderia deixar de ser, Espíritos traz todos aqueles elementos que já são íntimos de quem acompanha esta linha de produção oriental: cabelos pretos lisos flutuando, espírito andando no teto, água com cabelo, uma menina morta e apática se locomovendo com movimentos truncados em direção ao (não tão) mocinho, muito contraste entre o vermelho do sangue e a palidez da pele, suicídios, protagonistas pesquisando algo e tentando descobrir o segredo de suas vidas com prazo para morrer, explicações teóricas sobre o acontecido por parte de um coadjuvante que induz os protagonistas à pesquisa, e por aí vai, como um bom suspense oriental deve ser.
Estética Diferenciada
Em razão da película definida para a captura das imagens, Espíritos incorpora uma estética diferenciada, que o torna uma obra a parte dos outros filmes de mesmo cunho. O resultado esverdeado causa um efeito curioso nos tons de preto e sombras, incessantemente utilizados, que se mesclam com outras cores em algumas tomada. Temos em algumas vezes uma estética de filme B, o que não é ruim, pois dá um clima de horror e certa nostalgia. Sem dúvida, uma opção ousada de Banjong e Parkpoom por se tratar do primeiro longa.
Um ponto contra, mas que não prejudica a ação e o suspense ao longo da fita, é a tentativa muitas vezes de assustar por intermédio de barulhos altos e sons estridentes, ou ainda com a trilha sonora. Falta um pouco de sinceridade para com o espectador, encontrada na maioria dos títulos orientais, onde o que assusta e dá medo são o próprio roteiro, as próprias imagens, às vezes sem barulho nenhum ao fundo. Não há a tentativa de assustar e causar medo. Isso acontece naturalmente. Muitas cenas em Espíritos utilizam-se do recurso sonoro para dar ênfase e tentar enxertar um suspense que não existe. Outra falha de algumas tomadas é a tentativa de criar todo um ambiente em que o espectador está certo de que virá algo em que deva prender a respiração ou fechar os olhos e que na verdade era apenas uma brincadeira dos diretores num estilo bem Hollywoodiano de “Haaa! Te peguei, não era nada!”. Essa influência do cinema ocidental no título em questão faz com que ele perca a credibilidade em alguns momentos, deixando de ser franco, tendo que apelar desnecessariamente a tais pegadinhas clichês. No filme como um todo, não chega a prejudicar tanto.
A perturbada fantasma vilã, apesar de ser muito parecida com a fantasma de O Grito (versão americana), consegue dar bons sustos e protagonizar uma das melhores cenas do filme: enquanto Tun corre em alta velocidade na auto-estrada fugindo da imagem da fantasma que o persegue na janela de trás, a menina do além alcança o carro a 200km/h. Quando consegue despista-la e se tranqüiliza, ela aparece acavalada em cima do capô do carro, forçando-o a parar o carro de forma brusca, assustando sua companheira Jane.
Outra seqüência interessante é quando o casal vai até a edição de uma revista sobre fotos com vultos e espectros e presencia o editor forjando-as, e descobre que todas as fotos publicadas na revista são forjadas no Photoshop, questionando a veracidade e o sensacionalismo sempre criado em cima deste tipo de fotografia.
Apesar de alguns problemas que, ao tratarmos o filme como um todo, não prejudicam o desenvolvimento da trama e nem o suspense necessário para levar a história até o fim, Espíritos é um excelente thriller, com elementos esperados em produções orientais e uma leve influência do suspense-barulho americano. Para quem está acostumado com o terror oriental, é uma ótima pedida. Para quem ainda não tem muita intimidade, o ideal é locar antes a trilogia The Eye ou assistir alguns dos filmes citados neste artigo, para poder deixar o pré-conceito de lado e curtir este longa enquanto aguarda para ver se sai uma provável versão americana logo logo.
Mário Pertile
Apêndice: O remake Imagens do Além foi lançado em abril de 2008
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