100 Escovadas Antes de Dormir

Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (23.11.2006)

Crítica do Filme “100 escovadas antes de dormir” (Luca Guadagnino).

Nem um, nem outro.
Era para ser um filme chocante. Era para ser um filme surpreendente e porque não, excitante. Mas o fato é que 100 Escovadas antes de dormir, dirigido por Luca Guadagnino, não passa de uma pretensão de cem minutos onde o relógio parece ser um bravo inimigo do espectador. Falta roteiro e falta direção, o que torna a inocência de Melissa P. (título original do filme, provavelmente buscando uma pretensiosa alusão à Cristiane F.) uma irritante e infindável jornada ao rito de passagem de menina para mulher. Apesar de se basear num livro, uma película não precisa necessariamente se comportar como tal. Em 100 Escovadas antes de dormir, um dos pontos que mais colaboram com a falta de calor respectiva ao tema é a sensação de estarmos lendo um livro, algo fechado, estanque, sem altos nem baixos. Uma banheira de água morna que não transborda, nem esvazia. Isso se dá em certos momentos pela linha narrativa presente em demasia e na maioria das vezes desnecessária. Um filme que trata de um tema tão contundente e complexo que é o universo feminino e seu despertar de uma fase de inocência para uma época de descobertas merece um pouco mais de desprendimento por parte de seus realizadores. Deveria ter sido trabalhado um roteiro, uma história, não uma adaptação de confissões pura e simples, onde o resultado nada mais é do que um cine privé pobre e melodramático, comprometendo a inocência da menina e a maturidade sexual da mulher.

O drama familiar artificialmente retratado só é salvo pela belíssima atuação de Geraldine Chaplin (Blood Rayne, 2005, de Uwe Boll) que rouba a cena e o roteiro sempre que aparece, fazendo com que sua personagem Elvira, a avó amiga e sogra implicante e indesejada, seja o foco da família, da trama e também a gota d’água para um dos únicos momentos de emoção maior: finalmente o desenrolar de um roteiro bege e sem sal.

Cenas com o intuito de chocar, como a primeira experiência sexual de Melissa (Maria Valverde), pretendem passar uma lição de moral tentando justificar seu futuro comportamento promíscuo, mas na verdade suas atitudes que deveriam demonstrar desdém perante o sexo masculino, soando como uma espécie de vingança à raça que a fez sofrer no princípio de sua vida adulta, são expostas como uma forma de satisfação do prazer. O que deveria soar como “toma o troco” soa como “olha como eu sou experiente”. Ao invés de representar as atitudes de uma menina revoltada tentando recuperar sua auto-estima sexual, soa como uma provação de ego para a sociedade por parte de nossa protagonista. O orgulho da depravação se confunde com falta de compreensão da própria Melissa para com os rótulos nela impostos, constituindo uma personagem volátil de inocência cínica e dissimulada, cheia de lacunas a serem preenchidas.

Outro ponto artificial é a facilidade com que as pessoas conseguem encontrar e ler o diário de Melissa. Um diário tão secreto e confidencial com declarações tão quentes e comprometedoras deveria, no mínimo, ter um daqueles cadeadinhos de coração ou então ser guardado em lugares fora do acesso de colegas e parentes.

O desfecho final, onde tudo acaba bem, toda a depravação é esquecida e de uma hora para outra os laços de amizades rompidos são remendados é uma prova de que falta roteiro. Melissa de uma hora para outra vira uma moça feliz e de bem com vida. Sem seqüela nenhuma proveniente de seu passado promíscuo. Pelas vendas, o livro funcionou muito bem. Talvez na telinha a sensação de tempo perdido seja menor que no escuro.
Mário Pertile
Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under , | 0 Comments »

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