Camisa de Força

Originalmente publicado em www.cenadecinema.com.br (09.06.2006)

Crítica do Filme “Camisa de Força” (The Jacket, John Maybury, 103 min., EUA/Alemanha, 2005).

O Argumento
Um homem, após ter suas faculdades mentais afetadas sendo baleado na cabeça durante a Guerra do Golfo, é o principal suspeito de um estranho assassinado à beira da estrada. Pela falta de coerência em seu depoimento em razão da amnésia é julgado demente e internado em um manicômio para criminosos, onde sofre horríveis experimentos com tratamentos secretos de um doutor sem escrúpulos.

A Trama
Em uma livre sinopse, Camisa de força conta a história de Jack Starks (Adrien Brody – O Pianista – Roman Polansky – 2002) um ex-combatente americano que, atingido por uma bala na cabeça durante ação na guerra do Golfo, fica em estado mórbido por alguns momentos e após disso começa a sofrer de amnésia. O ano é 1992.
12 meses após este incidente, Jack encontra-se como um andarilho viajante procurando carona para o Canadá e se depara na beira da estrada com uma mulher (Kelly Linch, As Panteras – McG – 2000) totalmente embriagada acompanhada de sua filha, Jackie Price (Conhecida como a personagem Kate Malone do seriado With Out A Trace), uma pequena e simpática meninha que parece cuidar da mãe. Jack se oferece para arrumar a caminhonete enguiçada e após o conserto é escorraçado pela mãe que retoma a consciência e não sabe o que está acontecendo. Antes de ir embora a menina vê as placas metálicas de identificação na mochila de Jack e curiosa pergunta do que se trata. Jack explica que tem amnésia e aquelas placas servem para o caso de ele se perder e não saber quem é. Jackie Price pede para ficar com elas e Jack cede à menina. Um pouco adiante dali Jack consegue um carona e mais tarde o motorista é abordado pela polícia. Após a abordagem Jack tem um lapso de memória e não lembra de mais nada. Apenas o encontram caído com uma arma e um policial morto próximo ao seu corpo. Jack é julgado e considerado demente, sendo internado em um manicômio para criminosos. No manicômio Dr. Becker (Kris Kristofferson, da trilogia Blade) coloca em prática um novo procedimento secreto e desumano: amarra Jack em uma camisa de força e o coloca em uma gaveta de necrotério. Jack começa a ter visões bizarras do futuro enquanto está nesta gaveta, interagindo com os personagens, agora em 2007. O protagonista, confuso, tenta convencer a jovem e agora crescida, Jackie Price, de que é realmente aquele Jack Starks que conheceu há 15 anos atrás. Entendendo o espanto de Jackie quando descobre que morreu de forma inexplicável de traumatismo craniano em 1993, 4 dias após o início do tratamento na gaveta do necrotério, Jack inicia uma corrida contra o tempo para descobrir a causa de sua morte em um universo paralelo que nem ele mesmo entende. Alternando entre 1993 e 2007, Jack tem plena consciência das experiências vividas nas duas lacunas do tempo 15 anos atrquele Jack Starks que conheceu h ado ado na cabeça durante a Guerra do Gofo e que só consegue tal ato fantástico quando está enclausurado na gaveta.

O Filme
Dirigido pelo britânico John Maybury (O Amor é o Diabo – 1998 – Inglaterra), Camisa de Força faz parte de um projeto de Steven Soderbergh (Produtor executivo de Boa Noite, Boa Sorte) e George Clooney (Diretor de Boa Noite, Boa Sorte) de levar para os estúdios de Hollywood uma nova tendência de diretores de filmes independentes e alternativos, renovando a imagem do chamado cinema convencional e dando chance a esses diretores de ter contato com ferramentas de produção mais generosas como forma de incentivo para uma nova linhagem do cinema comercial.

Quem se surpreendeu com a atuação de Brody em O Pianista por seu desempenho e capacidade de exprimir a deprimente degradação humana através sua face sofrida e seu físico escanifrado, terá mais um show de interpretação a parte que, fugindo dos receios e rumores de que Brody seria ator de um só papel interpretando personagens dramáticos com o mesmo estilo de O Pianista, revela as várias personalidades de um mesmo homem. Em Camisa de Força, Brody tem um ágil poder de transformação, do sarcástico para a vítima, do honesto para o vingativo sem nada a perder. Nas tomadas em que está dentro da gaveta, o espectador consegue absorver a sensação claustrofóbica expressada apenas pelo olhar e pelos gemidos de Jack Starks que, totalmente privado de seus movimentos e numa escuridão total, tendo exposto apenas seus olhos em todas as polegadas da tela, luta em vão para tentar sair. São longas cenas de transição entre um espaço de tempo e outro proporcionadas pela estadia na sinistra gaveta. As visões de Jack dentro do precário recipiente começam quando uma infiltração goteja em seu olho. O efeito dos olhos de Jack funcionando como projetor da mente, tendo as cenas de suas visões veiculadas em suas pupilas é de primeira categoria. As seqüências conturbadas de lembranças intrincadas são editadas de uma forma dinâmica e não fogem às propostas de cores frias sugestionadas pelo Produtor de Arte Alan McDonald. Dando ênfase à temática de hospitais e manicômios, Alan McDonald procurou explorar as grades, objetos presentes em massa nesse tipo de ambiente, conseguindo uma experiência bastante natural. A frieza com que John e Alan jogam na tela cenas bem produzidas dos corredores do hospício impressiona pela forma antagônica em casar a depressão da situação com o cuidado estético. Segundo Alan, a porta do necrotério também segue o padrão das cores pretendidas pelo diretor: osso, carne, sangue e cinza, dando um enfoque mais de instalação artística almejada pelo produtor do que realmente de “porta-mortos”.

O Elenco muito bem selecionado demonstra uma química, sem exceção de personagem. Jack tem uma sincronia ímpar com Jackie Price, sendo ela a menininha inocente ou a mulher rebelde e depressiva. Os atores conseguem prender o espectador neste enredo que pode ser classificado na série de filmes fantásticos por ser uma ficção bastante ilusória, mas apresentar a proposta de uma forma bastante real e convincente fazendo quem está assistindo se perguntar: “Por que não?”.

Este título é a prova concreta de que a parceria de Soderbergh e Clooney só tende a gerar bons frutos.
Mário Pertile
Posted on 4/10/2008 by Mário Pertile and filed under , | 0 Comments »

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